terça-feira, 1 de dezembro de 2009

ABREU E LIMA

Abreu e Lima, o herói esquecido *

Barbosa Lima Sobrinho

No dia em que o Brasil se interessar realmente pelo seu relacionamento com as repúblicas da América espanhola, Abreu e Lima conquistará a importância que merece, na história de seu país. Não nos faltam heróis nacionais e figuras de grande projeção.

Mas, por assim dizer, limitadas às fronteiras do Brasil, quando muito às fronteiras de Portugal. Mas figuras continentais, com serviços prestados a outros países da América Espanhola, são raras, excepcionais. É verdade que tivemos Hipólito da Costa, no Correio Braziliense, defendendo apaixonadamente a Independência de todo o território da América Espanhola, exaltando Francisco Miranda e acompanhando, dia por dia, a ação libertadora de Simon Bolívar, no seu mensário londrino.

Mas Abreu e Lima não se limitou ao domínio literário. Incorporou-se ao exército de Bolívar, com a patente de capitão, e tomou parte nas batalhas decisivas, em que estava em causa a liberdade da Colômbia e da Venezuela. E foi conquistando, com o seu valor e a sua bravura, as patentes que merecia, até chegar a General. General de Bolívar é um título que pode consagrar qualquer pessoa e dar-lhe direito à gratidão de pátrias a que não pertencia.

O nome de Abreu e Lima está inscrito no monumento que a Venezuela elevou, em homenagem aos que lutaram pela sua Independência. Seus companheiros, nas batalhas que travou, conquistaram, depois da luta, outros postos, em carreiras mais ou menos venturosas. A Abreu e Lima, pela sua condição de estrangeiro, iria caber tão-somente, o regresso ao seu país, quando o governo de Santander não ratificou a última patente que havia conquistado, embora concedida pelo próprio Bolívar. Capricho dos azares políticas, que a Venezuela do século XX faria tudo para compensar, na reparação de uma injustiça pela qual não quer ser responsável.

Não fosse, aliás, a Venezuela, e Abreu e Lima não teria sido nem citado, quando comemoramos a nossa Independência, e a pátria de Bolívar fez questão de recordar o guerreiro, que tanto se empenhara pela sua emancipação, ou quando se completou o centenário de sua morte e a iniciativa das comemorações, tão escassas, teve que partir da Embaixada da Venezuela, num Brasil que preferia ignorar o seu grande filho, para não inclui-lo numa lista de cassações post-mortem, muito ao jeito da mentalidade da época.

De regresso ao Brasil, que perspectivas podia encontrar aquele General de Bolívar? O pai, o famoso Padre Roma, fora executado na Bahia, num processo sumaríssimo, que não precisara senão de 24 horas, entre a prisão e o fuzilamento do revolucionário pernambucano de 1817, para que a rapidez das medidas de repressão pudesse figurar entre os méritos do Conde dos Arcos.

Abreu e LIma estava em Salvador, nesse momento trágico, e foi testemunha dessas 24 horas, que marcariam para sempre o seu destino. Voltando ao Brasil depois da abdicação de Pedro I, não trazia ódios para vingar, nem preocupações de revanchismo. Tudo o que desejava era servir ao Brasil, fora de qualquer posição ou de qualquer cargo, como se se sentisse exilado, um estrangeiro dentro do país em que nascera.

Mas um exilado que se considerava com o direito de opinar, para que o Brasil contasse com a experiência, que tanto lhe custara, nas lutas que travara, e pudesse saber que não era fácil o caminho entre as paixões desencadeadas na luta pelo poder, entre os vencedores das batalhas, na marcha triunfal dos exércitos de Bolívar.

Na verdade, Abreu e Lima, ao voltar ao Brasil, quase não passava de um imigrante. A família havia sido esfacelada, com o fuzilamento do Padre Roma, que deixara a batina para se casar, embora continuasse com o título sacerdotal, que lhe resultara dos estudos realizados em Roma. O filho, Abreu e Lima, não teria mais condições para retornar à carreira militar, mesmo com o que pudera aprender nas batalhas de que participara. O fuzilamento do pai valia, para ele, mais do que uma expulsão da corporação a que pertencia.

Deve ter sido tão profunda a amargura dessas recordações que a elas se deve atribuir a decisão de deixar o Brasil. As Ordenações do Reino não limitavamsuas punições aos réus de crimes de lesa-majestade, levando-as até à segunda geração. Numa carreira militar, atenta ao rigor das normas disciplinares, a execução do pai o deixaria na berlinda, para a apreciação de seus menores gestos e de suas palavras mais inadvertidas.

A maçonaria cuidaria do seu caso e forneceria os recursos para uma viagem, que poderia tomar o sentido de uma fuga imediata. Em fevereiro de 1818, Abreu e Lima já estava nos Estados Unidos, que havia acompanhado com simpatia o movimento revolucionário de 1817. Um de seus irmãos tomara o rumo de Porto Rico. Abreu e Lima preferiu a Venezuela, alistando-se na tropa de Bolívar, com a patente de capitão. Na carta que escreveu ao general José Antonio Paez havia um comentário em que dizia o seguinte: "El guerrero que acompañó al General Paez en las Queseras del Medio, en Carabobo y en Puerto Cabello y a Bolívar en Vargas y Boyacá, debe passar à la posteridade con ellos".

l Trechos do prefácio de Barbosa Lima Sobrinho (ex-governador de Pernambuco e presidente da ABI, falecido em 2000.) para a 2ªedição (1979) do livro O Socialismo, de Abreu e Lima, publicado originariamente em 1855 Fonte Jornal da Rede ALCAR