quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

LIBERTE-SE DO PASSADO



-Trecho do livro "LIBERTE-SE DO PASSADO" de Jiddu Krishnamurti,disponibilizado do link http://www.jiddu-krishnamurti.net/pt/krishnamurti-liberte-se-do-passado/jiddu-krishnamurti-liberte-se-do-passado-09 )

Enquanto existir esse intervalo de tempo, gerado pelo pensamento, tem de haver sofrimento, tem de haver a continuidade do medo. Assim, perguntamos a nós mesmos: Pode esse intervalo terminar? Se disserdes: "Terminará ele algum dia?", isso então já é uma idéia, uma coisa que desejais conseguir e, por conseguinte, tendes um intervalo e de novo vos vede na armadilha.

Agora, considere-se a questão da morte, um problema imenso para a maioria das pessoas. Conheceis a morte, pois a vedes todos os dias, andando a vosso lado. Será possível encararmos a morte de maneira tão completa, que não façamos dela um problema? Para a encararmos dessa maneira, todas as crenças, todas as esperanças, todos os temores a ela relativos devem acabar, senão estareis encarando essa coisa extraordinária com uma conclusão, uma imagem, com uma ansiedade premeditada e, por conseguinte, a estareis encarando com o tempo. O tempo é o intervalo entre o observador e a coisa observada. Isto é, o observador - vós - tem medo de enfrentar essa coisa chamada "morte". Não sabeis o que ela significa; tendes esperanças e teorias de toda espécie a respeito dela; credes na reencarnação ou na ressurreição, ou numa certa coisa chamada alma, "atman", uma entidade espiritual, eterna, a que chamais por diferentes nomes. Ora, já descobristes por vós mesmo se existe alguma alma? Ou trata-se de uma idéia que vos foi dada pela tradição? Existe alguma coisa de permanente, de contínuo, além do pensamento? Se o pensamento pode pensar nela, ela se acha no campo do pensamento e, por conseguinte, não pode ser permanente, porque, no campo do pensamento, não existe nada permanente. É de enorme importância descobrir que nada é permanente, porque só então a mente estará livre, só então poder-se-á olhar; e nisso há uma imensa alegria.

Não podeis ter medo do desconhecido, pois não sabeis o que ele é e, portanto, não há nada que temer. A morte é uma palavra, e é a palavra, a imagem que cria o medo. Assim, podeis olhar a morte sem a imagem da morte? Enquanto existir a imagem, que dá origem ao pensamento, o pensamento haverá sempre de criar medo. Tratais então de racionalizar o vosso medo da morte e de levantar uma resistência contra o inevitável, ou inventais inumeráveis crenças para vos protegerdes do medo da morte. Há, portanto, um vão entre vós e a coisa de que tendes medo. Nesse intervalo de espaço-tempo tem de haver conflito, ou seja medo, ansiedade, autocompaixão. O pensamento, que gera o medo da morte, diz: "Adiemo-la, evitemo-la, mantenhamo-la o mais distante possível, não pensemos nela" - mas vós estais pensando nela. Ao dizerdes "Não quero pensar nela", já pensastes numa maneira de evitá-la. Tendes medo da morte, porque a tendes adiado.

Separamos o viver do morrer, e o intervalo entre o viver e o morrer é - medo. Esse intervalo, esse tempo, é criado pelo medo. Viver é nossa tortura diária - insultos, sofrimentos, confusão, e, ocasionalmente, uma janela aberta nos mostra mares encantados. É a isso que chamamos "viver", e temos medo de morrer, que é o fim dessa aflição. Preferimos aferrar-nos ao conhecido a enfrentar o desconhecido - o conhecido, que é nossa casa, nossos móveis, nossa família, nosso caráter, nosso trabalho, nossos conhecimentos, nossa fama, nossa solidão, nossos deuses - essa coisa insignificante que incessantemente gravita em torno de si própria, com seu limitado padrão de amargurada existência.

Pensamos que o viver está sempre no presente e que o morrer é algo que nos aguarda num tempo distante. Mas nunca indagamos se essa batalha da vida diária é de fato viver. Queremos saber a verdade a respeito da reencarnação, desejamos provas da sobrevivência da alma, prestamos ouvidos às asserções dos clarividentes e às conclusões das pesquisas psíquicas, porém nunca perguntamos, nunca perguntamos como viver - viver com deleite, com encantamento, com a beleza, todos os dias. Aceitamos a vida tal qual é, com toda a sua agonia e desespero, com ela nos acostumamos, e pensamos na morte como uma coisa que devemos diligentemente evitar. Mas, a morte se assemelha extraordinariamente à vida, quando sabemos viver. Não podeis viver sem morrer. Isso não é um paradoxo intelectual. Para se viver completamente, totalmente, de modo que cada dia seja uma nova beleza, tem-se de morrer para todas as coisas de ontem, pois, de contrário, viveremos mecanicamente, e uma mente mecânica jamais saberá o que é o amor ou o que é a liberdade.

Em geral tememos a morte, porque não sabemos o que significa viver. Não sabemos viver, e por isso não sabemos morrer. Enquanto tivermos medo da vida, teremos medo da morte. O homem que não teme a vida não teme a insegurança, porque compreende que, interiormente, psicologicamente, não existe segurança nenhuma. Quando não há segurança, há um movimento infinito, e então a vida e a morte são uma só coisa. O homem que vive sem conflito, que vive com a beleza e o amor, não teme a morte, porque amar é morrer.

Se morreis para tudo o que conheceis, inclusive vossa família, vossa memória, tudo o que sentistes, a morte é então uma purificação, um processo de rejuvenescimento; traz então a morte a inocência, e só os inocentes são apaixonados, e não aqueles que crêem e que desejam descobrir o que acontece após a morte.

Para descobrirdes o que realmente acontece quando se morre, tendes de morrer. Isso não é pilhéria. Tendes de morrer, não fisicamente, mas psicologicamente, interiormente, morrer para as coisas que vos são caras e para as coisas que vos amarguram. Se morrestes para cada um dos vossos prazeres, tanto os insignificantes como os mais importantes, sem nenhuma compulsão ou discussão, então sabereis o que significa morrer. Morrer é ter uma mente completamente vazia de si mesma, vazia de seus diários anseios, prazeres e agonias. A morte é uma renovação, uma mutação, em que o pensamento não funciona, porque o pensamento é coisa velha. Quando há a morte, há uma coisa totalmente nova. Estar livre do conhecimento é morrer; e, então, estais vivendo.