sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

DIÁSPORA JUDAICO-NORDESTINA

A entrada dos judeus Nordeste adentro se deu, majoritariamente, a partir do estado de Pernambuco. Durante o século XVI, logo após a chegada dos colonizadores portugueses, o Brasil começou a receber cristãos-novos - judeus que foram obrigados a se converter ao catolicismo como forma de evitar a Inquisição da Igreja Católica predominante na Península Ibérica européia. Era gente que, mesmo tendo mudado de credo, preservava suas tradições religiosas. Por isso, ainda era passível das punições do tribunal inquisidor católico. Eles desembarcavam na capital pernambucana e daí se espalhavam pelo sertão nordestino, numa espécie de primeira diáspora judaica brasileira.

Com o início do domínio holandês sobre o Estado, em 1630, os cristãos-novos puderam manter suas antigas tradições com um pouco mais de paz. "De fato era mais tranqüilo, mas não tanto assim. Existe um mito sobre a liberdade religiosa desse período. O calvinismo dos holandeses tolerava os judeus, mas havia uma pressão para a conversão deles", comentou Tânia Neumann Kaufman, professora de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e diretora do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco. De acordo com ela, foi apenas com a chegada do governador Maurício de Nassau, em 1637, que a liberdade religiosa foi realmente posta em prática. "Ele tinha idéias avançadas para a época. Foi a primeira experiência de plena cidadania que o Brasil viveu", pontuou ela, também autora do livro Passos Perdidos, História Recuperada, sobre a trajetória judaica em Pernambuco.

Durante esse período, o estado recebeu uma comunidade de judeus portugueses situada na Holanda, já fugitiva da perseguição religiosa em seu país de origem. Ela fundou, inclusive, a primeira sinagoga das Américas em Recife. Nassau deixou o comando em 1644 e, dez anos depois, o governo holandês no Estado acabou, passando novamente à Coroa Portuguesa, que voltou a perseguir o povo judeu. Chegou assim a hora da segunda diáspora brasileira deles, já livres da pecha de cristãos-novos. Com isso, eles se espalharam pelo sertão de estados como a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Ceará. De acordo com Kaufman, é nesse movimento que os judeus subiram à Serra da Ibiapaba e batizaram acidentes topográficos e novas vilas com nomes judaicos. Ao longo dos séculos seguintes, sem contarem com sinagogas onde se reunir, o povo acabou esgarçando seus costumes geração após geração. "Só lá para o final da década de 1970, alguns grupos sertanejos começaram a se questionar de onde surgiam alguns costumes seus e foram atrás de entender onde eles haviam surgido." No fim da década de 80, eles começaram a estudar um pouco mais e a se identificarem como descendentes de judeus, buscando na genealogia seus elos com o passado. "A tradição judaica é muito forte e está presente na prática, no cotidiano. Por isso se enraiza muito nos usos e costumes de cada família dessa, virando tradição mesmo que ela tenha perdido o laço religioso", disse a professora. (publicado Jornal "O Povo", dia 07.04.2007 - matéria Socorro Torquato)